quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Saudade


No fundo daquele armário

tem um esqueleto de smoking

tem um vestido de noiva

e uma praça de footing




No fundo daquele armário

tem um sapato de missa

uma medalha de esgrima

e uma catiça




No fundo daquele armário

tem uma carta de amor

tem um santinho de pêsames

e uma gota de suor




Tem um susto no armário

uma blusa de organdi

tem um retrato que chora

numa pose, noutra ri




Tem uma vida inteirinha

tem pandeiro e um rosário

Tem menos vida aqui fora

do que no fundo do armário.




S.Antunes



quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Água Viva



(...)Paisagem onde se passa essa música?
Ar, talos verdes, o mar estendido, silêncio de domingo de manhã.
Um homem fino de um pé só
tem um grande olho transparente no meio da testa.
Um ente feminino se aproxima engatinhando,
diz com voz que parece vir de outro espaço,
voz que soa não como a primeira voz
mas em eco de uma voz primeira que não se ouviu.
A voz é canhestra, eufórica
e diz por força do hábito de vida anterior:
quer tomar chá?
E não espera resposta.
Pega uma espiga delgado de trigo de ouro,
e a põe entre as gengivas sem dentes
e se afasta de gatinhas com os olhos abertos.
Olhos imóveis como o nariz.
É preciso mover toda a cabeça sem ossos
para fitar um objeto. Mas que objeto?
O homem fino enquanto isso adormeceu sobre o pé
e adormeceu o olho sem no entanto fechá-lo.
Adormecer o olho trata-se de não querer ver.
Quando não vê ele dorme.
No olho silente se reflete a planície em arco-íris.
O ar é de maravilha.
As ondas musicais recomeçam.
Alguém olha as unhas.
Há um som que de longe faz: psiu! psiu!...
Mas o homem-do-pé-só nunca poderia imaginar
que o estão chamando.
Inicia-se um som de lado,
como a flauta que sempre parece tocar de lado -
inicia-se um som de lado
que atravessa  as ondas musicais sem tremor,
e se repete tanto,
que termina por cavar com sua gota ininterrupta a rocha.
É um som elevadíssimo e sem frisos.
Um lamento alegre e pausado e agudo
como o agudo não estridente e doce de uma flauta.
É a nota mais alta e feliz
que uma vibração poderia dar.
Nenhum homem da terra poderia ouví-lo
sem enlouquecer
e começar a sorrir prá sempre.
Mas o homem-de-pé sobre o único pé -
dorme reto.
E o ser feminino estendido na praia não pensa.
Um novo personagem atravessa a planície deserta
e desaparece mancando.
Ouve-se: psiu! psiu!
E chama-se ninguém. (...)

Clarice Lispector

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sinéad O'Connor



Sinéad Marie Bernadette O'Connor é uma cantora irlandesa, nascida em Dublin em 8 de dezembro de 1966.
Teve sua vida marcada por reveses que moldaram sua personalidade e lhe marcaram para sempre. Sofreu abusos na infância, tentou suicídio e se afirmou homossexual. Foi excomungada por tentar ser líder de uma seita. Sua voz doce e ao mesmo tempo rebelde a fez se destacar, junto com a cabeça raspada que foi sua marca registrada por muitos anos. Quando rasgou uma foto do Papa em um dos programas mais assistidos dos EUA em protesto contra a proibição do aborto pela Igreja Católica, sua atitude foi reprovada por diversas autoridades e criou uma imagem negativa em muitas cidades, chegando a ser vaiada em um show em tributo a Bob Dylan. 
Sinéad anunciou que estava deixando os palcos e o show business para se dedicar mais ao espírito e a sua família, já que se converteu a Igreja Tridente Latino, da Irlanda. Ela já havia anunciado sua aposentadoria outras vezes e não cumpriu a promessa. Desta vez, no entanto, parece que foi prá valer.
Eu, particularmente, espero que não. 



quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Grandes Significados


Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança
para acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização,
seu pensamento reapresenta um capítulo.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Preocupação é uma cola que não deixa
o que ainda não aconteceu sair de seu pensamento.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração
dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Sucesso é quando você faz o que sempre fez
só que todo mundo percebe.
Vergonha é um pano preto
que você quer pra se cobrir naquela hora.
Ansiedade é quando sempre faltam 5 minutos
para o que quer que seja.
Sentimento é a língua que o coração usa
quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você
mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Felicidade é um agora
que não tem pressa nenhuma.
Desilusão é quando anoitece em você
contra a vontade do dia.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Razão é quando o cuidado
aproveita que a emoção está dormindo
e assume o mandato.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Paixão é quando apesar da palavra "perigo"
o desejo chega e entra...
Amor é quando a paixão não tem
outro compromisso marcado.
Não. Amor é um exagero...
Também não. É um "desaforo"...
Uma batelada?
Um exame, um dilúvio, um mundaréu,
uma insanidade, um destempero,
um despropósito, um descontrole,
uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido,
talvez porque não houvesse explicação,
esse negócio de amor não sei explicar.
Mario Prata

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Flores

Quero pintar uma rosa.
Rosa é flor feminina que se dá toda e tanto que para ela só resta a alegria de se ter dado.
Seu perfume é mistério doido. Quando profundamente aspirado toca no fundo íntimo do coração e deixa o interior do corpo inteiro perfumado. O modo de ela se abrir em mulher é belíssimo.


As encarnadas são de grande sensualidade.


As brancas são a paz do Deus.


As amarelas são de um alarme alegre.


As cor-de-rosa são em geral mais carnudas e têm a cor por excelência.


As alaranjadas são produto de enxerto e são sexualmente atraentes.


Já o cravo tem uma agressividade que vem de certa irritação. São ásperas e arrebitadas as pontas de suas pétalas. O perfume do cravo é de algum modo mortal.
Os cravos vermelhos berram em violenta beleza.


A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.



A sempre-viva é sempre morta. Sua secura tende à eternidade. O nome em grego que dizer: sol de ouro.


A margarida é florzinha alegre. É simples e à tona da pele. Só tem uma camada de pétalas. O centro é uma brincadeira infantil.


A formosa orquídea é exquise e antipática. Não é espontânea. Requer redoma. Mas é mulher esplendorosa e isto não se pode negar. Também não se pode negar que é nobre porque é epífita. Epífitas nascem sobre outras plantas sem contudo tirar delas a nutrição. Estava mentindo quando disse que era antipática. Adoro orquídeas. Já nascem artificiais, já nascem arte.


Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.


Flor dos trigais só dá no meio do trigo. Na sua humildade tem a ousadia de aparecer em diversas formas e cores.


Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo. Só sai de noite com o seu cheiro tonteador. Dama-da-noite é silente. E também da esquina deserta e em trevas dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas. É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém aguenta. Mas eu aguento porque amo o perigo.


Quanto à suculenta flor de cactus, é grande e cheirosa e de cor brilhante. É a vingança sumarenta que faz a planta desértica. É o esplendor nascendo da esterilidade despótica.


Estou com preguiça de falar de edelvais. É que se encontra à altura de três mil e quatrocentos metros de altitude. É branca e lanosa. Raramente alcançável: é a aspiração.


Vitória-régia está no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Enorme e até quase dois metros de diâmetro. Aquáticas, é de se morrer delas. Elas são o amazônico: o dinossauro das flores. Espalham grande tranquilidade. A um tempo majestosa e simples. E apesar de viverem no nível das águas elas dão sombra.


O crisântemo é de alegria profunda. Fala através da cor e do despenteado. É flor que descabeledamente controla a própria selvageria. 

Clarice Lispector

sábado, 13 de novembro de 2010

A Minha Próxima Vida


A minha próxima vida quero vivê-la de trás pra frente.
Começar morto para despachar logo esse assunto.
Depois, acordar num lar de idosos
e ir me sentindo melhor a cada dia que passa.
Ser expulso, porque estou demasiado saudável,
ir receber a aposentadoria e começar a trabalhar,
recebendo logono primeiro dia um relógio de ouro .
Trabalhar por 40 anos, cada vez mais desenvolto
e saudável, até ser jovem o suficiente
para entrar na faculdade,
embebedar-me diariamente e ser bastante promíscuo,
e depois estar pronto para o secundário e para o primário,
antes de virar criança e só brincar, sem responsabilidades.
Aí viro um bebê inocente até nascer.
Por fim, passo 9 meses flutuando num spa de luxo
com aquecimento central,
serviço de quarto à disposição
e espaço maior dia a dia, e depois -
Voilà!
- desapareço num orgasmo.
Woody Allen

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Top Models Brasileiras dos anos 80

O Brasil é mundialmente famoso por ser um celeiro de belas mulheres. Morenas, louras, mulatas, negras, orientais... No final dos anos 70 e nos anos 80 brilhavam nas capas de revistas de moda algumas dessas beldades e, claro, eu tinha minhas favoritas. Minha top das tops era a Maria Eugênia, que apesar dos seus 1,63cm de altura, estampou diversos números com seu rosto de traços perfeitos. Hoje ela é empresária e acabou de retornar às capas revivendo seus tempos de modelo, com a beleza de sempre.   


Outra beldade era Carla Pádua, com seu olhar misterioso e cor de folha seca encantava os fãs.Hoje também é uma empresária e continua lindona. 

       
      

Outra que abalava era a Veluma, com sua bela cor e seus lábios carnudos. 




A bela Lívia Mund encantava com seu corpo perfeito e seus olhos transparentes.


  Vicky Schneider se destacava pelos rebeldes cabelos loiros e um sorriso de 1000 pérolas.   

                                                                                                                                                                   
                                                    

Outra beldade que também brilhava era Doris Giesse. Com seu rosto andrógino também foi apresentadora na TV.


                        

                                             

Monique Evans se destacava por sua atitude e irreverência.



 O brasileiro Jens Peter brilhava numa carreira internacional onde foi o preferido de Armani.

                                       

E prá finalizar, não posso esquecer a eternamente bela Luiza Brunet que com sua beleza morena encantou (e encanta ainda) uma legião de fãs.



                                       

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Meu Aniversário



"Fiz hoje 53 anos.
Mais da metada da vida já passou.
Doenças, viagens, amores...
Passou
Escreverei o fim do romance?
A vida abre-me asas duvidosas,
ora sim, ora não, pendulamente
e nem sei por que sim
por que não
Indiferença 
Fatalismo
Fui rajá numa noite de orgia
Ergui um templo a Buda
no vale do Cachemira
onde lagos de lótus tem risos para o céu
Mas fui Cristo também
numa cidade da Suiça
de braços abertos sobre a neve
olhando cair os pássaros alvos
da abóbada de chumbo.
Mas era um Cristo
fazendeiro conferencista literato.
Mais da metade da vida já passou.
Livros Sonetos e Versos
Passou. Continuarei?
O tédio queima como álcool
acrisolando a alma
escancarando os olhos da imaginação.
Porém nenhuma ilusão mais;
morreram aos cinquenta
e passaram-se dois
rápidos perversos furacão
Cinematógrafo acelerado
Fita cômico-grotesco-trágica
Uma vida de cão Charles Chaplin
tem galinha, cartolinha
e essa esperança
que é mais forte do que a vida...
Continuarei."
Desconhecido

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Salif Keita


Salif Keita é um músico e cantor de Djoliba, Mali, África, nascido em 25 de agosto de 1949. 
Além de ser conhecido como "A Voz Dourada da África", se destaca por ser albino e descendente direto do fundador do Imperio Mali, Sundiata Keita. Por isso, ele nunca deveria ser um cantor, que é uma função dos GriotGriots , que são guardiões, intérpretes e cantores da História oral de muitos povos africanos.
Sua música mistura estilos da música tradicional da África Ocidental, Europa e América, mas mantendo o estilo da música islâmica. 
Vive em Paris desde 1984.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Cesária Évora


Cesária Évora nasceu em Mindelo, Cabo Verde, em 27 de agosto de 1941. Também conhecida como a "diva dos pés descalços" é a cantora de maior reconhecimento de toda a história da música cabo-verdiana.
Desde cedo, Cise, como era conhecida pelos amigos, começou a cantar e a fazer atuações aos domingos na praça principal de sua cidade. Cantou em bares, hotéis e ganhou notoriedade sendo aclamada como a "Rainha da Morna", um estilo musical nativo.
Em 1975, quando Cabo Verde adquiriu a independência de Portugal, Cesária, frustrada por questões pessoais e financeiras, deixou de cantar para sustentar sua família. Por 10 anos lutou contra o alcoolismo.
Em 1988 gravou em Paris (persuadida por um amigo) o album "La Diva Aux Pied Nus" que foi aclamado pela crítica. Desde então fixou residência na capital francesa.
Gravou parcerias com vários artistas de várias nacionalidades, inclusive com a nossa Marisa Monte. 
Cesária se tornou uma estrela internacional aos 47 anos de idade.
Uma das minhas cantoras preferidas.
Faleceu em 17 de dezembro de 2011. Quatro meses após este post.



segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Water & Oil

Há muito tempo que um editorial de moda não nos deixa tão perplexos e nos dá vontade de refletir... A campanha, "Water & Oil" é um soco no estômago de quem acompanhou o maior vazamento da história da indústria petrolífica no Golfo do México.
Capitaneada por Franca Sozzani, editora da Vogue italiana, o fotógrafo Steven Meisel clicou a modelo Kristen McMenamy: mitológica, bestial, orgânica, sci-fi, Kristen parece uma criatura marinha lutando pela sobrevida à beira mar. No final, padece sobre uma pedra, como se a estivesse abraçando.
Imagens tensas, cheias de significados e com muito impacto.















FFWBlog - MODA - por André Rodrigues