Quero pintar uma rosa.
Rosa é flor feminina que se dá toda e tanto que para ela só resta a alegria de se ter dado.
Seu perfume é mistério doido. Quando profundamente aspirado toca no fundo íntimo do coração e deixa o interior do corpo inteiro perfumado. O modo de ela se abrir em mulher é belíssimo.
As encarnadas são de grande sensualidade.
As brancas são a paz do Deus.
As amarelas são de um alarme alegre.
As cor-de-rosa são em geral mais carnudas e têm a cor por excelência.
As alaranjadas são produto de enxerto e são sexualmente atraentes.
Já o cravo tem uma agressividade que vem de certa irritação. São ásperas e arrebitadas as pontas de suas pétalas. O perfume do cravo é de algum modo mortal.
Os cravos vermelhos berram em violenta beleza.
A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.
A sempre-viva é sempre morta. Sua secura tende à eternidade. O nome em grego que dizer: sol de ouro.
A margarida é florzinha alegre. É simples e à tona da pele. Só tem uma camada de pétalas. O centro é uma brincadeira infantil.
A formosa orquídea é exquise e antipática. Não é espontânea. Requer redoma. Mas é mulher esplendorosa e isto não se pode negar. Também não se pode negar que é nobre porque é epífita. Epífitas nascem sobre outras plantas sem contudo tirar delas a nutrição. Estava mentindo quando disse que era antipática. Adoro orquídeas. Já nascem artificiais, já nascem arte.
Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.
Flor dos trigais só dá no meio do trigo. Na sua humildade tem a ousadia de aparecer em diversas formas e cores.
Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo. Só sai de noite com o seu cheiro tonteador. Dama-da-noite é silente. E também da esquina deserta e em trevas dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas. É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém aguenta. Mas eu aguento porque amo o perigo.
Quanto à suculenta flor de cactus, é grande e cheirosa e de cor brilhante. É a vingança sumarenta que faz a planta desértica. É o esplendor nascendo da esterilidade despótica.
Estou com preguiça de falar de edelvais. É que se encontra à altura de três mil e quatrocentos metros de altitude. É branca e lanosa. Raramente alcançável: é a aspiração.
Vitória-régia está no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Enorme e até quase dois metros de diâmetro. Aquáticas, é de se morrer delas. Elas são o amazônico: o dinossauro das flores. Espalham grande tranquilidade. A um tempo majestosa e simples. E apesar de viverem no nível das águas elas dão sombra.
O crisântemo é de alegria profunda. Fala através da cor e do despenteado. É flor que descabeledamente controla a própria selvageria.
Clarice Lispector