Existe um ser que mora dentro de mim
como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso
que apesar de inteiramente selvagem
– pois nunca morou antes em ninguém
nem jamais lhe puseram rédeas nem sela
– apesar de inteiramente selvagem
tem por isso mesmo uma doçura primeira
de quem não tem medo:
come às vezes na minha mão.
Seu focinho é úmido e fresco.
Eu beijo o seu focinho.
Quando eu morrer,
o cavalo preto ficará sem casa
e vai sofrer muito.
A menos que ele escolha outra casa
e que esta outra casa não tenha medo daquilo
que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
Aviso que ele não tem nome:
basta chamá-lo e se acerta com o seu nome.
Ou não se acerta,
mas, uma vez chamado
com doçura e autoridade ele vai.
Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre,
ele trota sem ruído e vai.
Aviso também
que não se deve temer o seu relinchar:
a gente se engana e pensa
que é a gente mesma
que está relinchando de prazer ou cólera,
a gente se assusta com o excesso de doçura
do que é isto pela primeira vez.
Clarice Lispector
e que esta outra casa não tenha medo daquilo
que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
Aviso que ele não tem nome:
basta chamá-lo e se acerta com o seu nome.
Ou não se acerta,
mas, uma vez chamado
com doçura e autoridade ele vai.
Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre,
ele trota sem ruído e vai.
Aviso também
que não se deve temer o seu relinchar:
a gente se engana e pensa
que é a gente mesma
que está relinchando de prazer ou cólera,
a gente se assusta com o excesso de doçura
do que é isto pela primeira vez.
Clarice Lispector