segunda-feira, 26 de outubro de 2009

CAVALO PRETO


Existe um ser que mora dentro de mim
como se fosse casa dele, e é.
Trata-se de um cavalo preto e lustroso
que apesar de inteiramente selvagem
– pois nunca morou antes em ninguém
nem jamais lhe puseram rédeas nem sela
– apesar de inteiramente selvagem
tem por isso mesmo uma doçura primeira
de quem não tem medo:
come às vezes na minha mão.
Seu focinho é úmido e fresco.
Eu beijo o seu focinho.
Quando eu morrer,
o cavalo preto ficará sem casa
e vai sofrer muito.
A menos que ele escolha outra casa
e que esta outra casa não tenha medo daquilo
que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
Aviso que ele não tem nome:
basta chamá-lo e se acerta com o seu nome.
Ou não se acerta,
mas, uma vez chamado
com doçura e autoridade ele vai.
Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre,
ele trota sem ruído e vai.
Aviso também
que não se deve temer o seu relinchar:
a gente se engana e pensa
que é a gente mesma
que está relinchando de prazer ou cólera,
a gente se assusta com o excesso de doçura
do que é isto pela primeira vez.


Clarice Lispector

2 comentários:

  1. By Nel é um blog, antes de tudo, filosófico. Gostei das coisas escritas aqui... Parabéns...
    Nel também lê
    www.descompensando.blogspot.com

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  2. Um texto diferente e bonito.
    Gostei.
    Um bj Graça

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